GIANFRANCESCO GUARNIERI (71 anos)
Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Marinenghi de Guarnieri
(Milão/ITÁLIA, 06 de agosto de 1934)
(São Paulo/SP, 22 de julho de 2006).
Gianfrancesco Guarnieri foi um ator, diretor, compositor, dramaturgo e poeta ítalo-brasileiro e um artista de destaque no ”Teatro de Arena” de São Paulo. Sua mais importante obra foi “Eles Não Usam Black-Tie”. Guarnieri era filho de músicos antifascistas. Seus pais, o maestro Edoardo Guarnieri e a harpista Elsa Marinenghi decidiram vir para o Brasil e se estabeleceram no Rio de Janeiro. Depois, a família se mudou para São Paulo. Líder estudantil desde a adolescência, Guarnieri começou a fazer teatro amador com Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha e um grupo de estudantes de São Paulo e criaram o “Teatro Paulista do Estudante - (TPE)” com orientação de Ruggero Jacobbi. Mais tarde o “TPE” se uniu ao “Teatro de Arena” fundado e dirigido por José Renato. Sua peça de estreia, como dramaturgo, foi “Eles Não Usam Black-Tie” encenada pelo “Teatro de Arena”. A direção foi de José Renato e o elenco contou com grandes talentos que começavam a despontar no teatro brasileiro, como o próprio Guarnieri no papel de (Tião), com a estreia profissional de Lélia Ábramo a (Romana), Miriam Mehler a (Maria), Flávio Migliaccio, o (Chiquinho), Eugênio Kusnet, o (Otávio), Chico de Assis, o (Jesuíno), Henrique César, o (João), Celeste Lima, a (Teresinha), Riva Nimtz a (Dalva) e Milton Gonçalves, o (Bráulio). Programada para encerrar o trabalho do grupo, que vivia uma crise financeira, alcançou sucesso imenso, sendo um dos marcos da renovação do teatro brasileiro da época. A peça, o autor e o elenco foram premiados pelo então governador de São Paulo, Jânio Quadros, e o “Arena” foi salvo da crise financeira que há tempos assolava o grupo. Paralelamente, o diretor Roberto Santos dava o pontapé inicial no “Cinema Novo” com o filme “O Grande Momento” protagonizado por Guarnieri e Miriam Pérsia, um clássico do nosso cinema. Atento a isso, o diretor Sandro Polônio encomendou uma peça a Guarnieri para ser encenada pela companhia de Maria Della Costa, esposa de Sandro e de cuja companhia teatral ele era o diretor. Guarnieri saiu do “Arena” por um tempo para poder realizar esse trabalho com Maria Della Costa e escreveu “Gimba, Presidente dos Valentes”. Era o primeiro trabalho de Guarnieri em palco italiano e a direção ficou a cargo de Flávio Rangel. Levava à cena, de maneira pioneira, a realidade dos morros cariocas, em forma de musical, inspirando-se em parte na sua própria experiência de vida. A encenação foi espetacular e a peça passou os meses seguintes excursionando pela Europa, sendo apresentada no “Festival das Nações”, na França. “A Semente” estreou no “TBC” e também contou com a direção de Flávio Rangel. A peça, de cunho abertamente político e inteiramente fora dos padrões do “TBC“, abordava de forma contundente a militância comunista, criticando tanto os métodos da direita quanto os da esquerda. Embora contasse com atores consagrados como Leonardo Villar, Cleyde Yáconis, Stênio Garcia e Nathália Thimberg, além do próprio Guarnieri, entre outros e fosse uma montagem grandiosa e tivesse o aval da crítica, a peça teve problemas homéricos com a censura, o que acabou esfriando o interesse dos frequentadores do então chamado "Templo Burguês do Teatro Paulista" e a peça saiu rapidamente de cartaz. Guarnieri participou ainda de mais duas montagens de Flávio Rangel no “TBC”, “Almas Mortas” de Gogol e a primeira montagem de “A Escada” de Jorge Andrade. Voltou ao “Arena”, dessa vez não só como ator e autor, mas como sócio proprietário. José Renato se alternava entre vários trabalhos no Rio e em São Paulo e o “Teatro de Arena” acabou se tornando uma sociedade entre Guarnieri, Augusto Boal, Paulo José, Juca de Oliveira e o cenógrafo Flávio Império. Juntos participaram de várias peças nessa nova fase, como “A Mandrágora”, de Maquiavel e “O Melhor Juiz, o Rei” de Lope de La Vega. “O Filho do Cão”, primeiro texto de Guarnieri desde “A Semente” e que tratava da questão do misticismo religioso e da reforma agrária já em um turbulento contexto político. A partir desse momento, sua carreira, como a de todos os intelectuais ideologicamente filiados à esquerda, passou por momentos difíceis. Guarnieri opta então por utilizar uma linguagem metafórica e alegórica que tomaria corpo em montagens como os musicais “Arena Contra Zumbi”, tendo como destaque a música "Upa, Neguinho" uma parceria com Edu Lobo e “Arena Conta Tiradentes” feitos em parceria com Augusto Boal. Guarnieri daria prosseguimento a esse estilo nas peças “Castro Alves Pede Passagem” e, sobretudo, “Um Grito Parado no Ar” - que encenava as dificuldades da classe artística naquele período - e “Ponto de Partida” - onde utilizava uma vila da Idade Média como pano de fundo para focalizar a repressão a partir da morte do jornalista Vladimir Herzog - pontos capitais do teatro brasileiro da época. Nos anos seguintes, sua carreira como autor de teatro se tornaria cada vez mais esparsa, lançando poucos textos. Guarnieri escreveu “Pegando Fogo Lá Fora” e “A Canastra de Macário”, que é o momento em que sua saúde lhe dá o primeiro susto, com um aneurisma na aorta. Com o filho Cláudio escreveu a peça “Anjo na Contramão”. Sua última peça foi “A Luta Secreta de Maria da Encarnação”. Guarnieri subiu num palco pela última vez no “Teatro Maria Della Costa”. Gianfrancesco fez o papel de (Marcelo Belluomo) na gravação da peça “Você Tem Medo do Ridículo, Clark Gable?” de Analy Alvarez, com direção de Roberto Lage, para o programa “Senta Que Lá Vem Comédia” da TV Cultura. O programa contou com a participação de Arlete Montenegro, Sônia Guedes, André Latorre, Neuza Velasco e Luiz Serra. Guarnieri escreveu o libreto da ópera “Um Homem Só” de Camargo Guarnieri. Guarnieri foi parceiro musical de compositores como Adoniran Barbosa, Carlos Lyra, Edu Lobo, Toquinho e Sérgio Ricardo. Guarnieri conciliava desde o começo, a sua bem-sucedida atividade no teatro com uma presença cada vez maior na televisão e no cinema. Virou, assim, um dos nossos melhores e mais populares atores. Em TV, atuou na TV Excelsior das novelas “O Tempo e o Vento”, “O Terceiro Pecado”, “A Muralha”, “Os Estranhos” e “Dez Vidas”, na TV Tupi nas novelas “A Hora Marcada”, “Meu Pé de Laranja Lima”, “Nossa Filha Gabriela”, “Signo da Esperança”, “Camomila Bem-Me-Quer”, “Mulheres de Areia”, “Os Inocentes”, “Éramos Seis” e “Roda de Fogo”, na TV Bandeirantes, nas novelas “Rosa Baiana”, “Sabor de Mel”, “Serras Azuis” e “Meu Pé de Laranja Lima”, na TV Manchete da novela “Helena”, no SBT nas novelas “Cortina de Vidro” e “Razão de Viver”, na TV Record das novelas “Canoa do Bagre”, “Vidas Cruzadas” e “Metamorphoses” e na TV Globo nas novelas “Cabocla”, “Joga da Vida”, “Sol de Verão”, “Vereda Tropical”, “Cambalacho”, “Mandala”, “Que Rei Sou Eu?”, “Rainha da Sucata”, “Vamp”, “O Mapa da Mina”, “A Próxima Vítima”, “Terra Nostra”, “Esperança” e “Belíssima”, além das minisséries como “Anos Rebeldes” de Gilberto Braga e “Incidente em Antares” de Nélson Nadotti e Charles Peixoto, baseada no livro homônimo de Érico Veríssimo e da série “Malu Mulher”. O público mais jovem provavelmente o reconhece pelo papel do carinhoso e divertido avô (Orlando Silva) da série juvenil “Mundo da Lua” escrita por Flávio de Souza. No cinema, além de protagonizar “O Grande Momento”, também participou de filmes como “O Jogo da Vida” de Maurice Capovilla, “Gaijin - Os Caminhos da Liberdade” de Tizuka Yamasaki, “Asa Branca - Um Sonho Brasileiro”, “Eles Não Usam Black-Tie” de Leon Hirszman - versão para sua peça em que desta vez interpretou o pai sindicalista - filme que ganhou o "Prêmio Especial" do júri no "Festival de Veneza", “A Próxima Vítima” de João Batista de Andrade, “Beijo 2348/72” de Walter Rogério e “O Quatrilho” de Fábio Barreto. Seu último filme foi “Contos de Lygia” - no qual contracenou com Nathália Thimberg, sob direção de Del Rangel. Guarnieri foi "Secretário da Cultura" da cidade de São Paulo durante o governo Mário Covas. Nessa oportunidade procurou valorizar as ações comunitárias. Guarnieri se casou pela primeira vez com a jornalista Cecília Thompson, com quem teve dois filhos, Flávio Guarnieri e Paulo Guarnieri ambos também atores. Com sua companheira dos últimos quarenta anos, Vanya Sant'Anna teve mais três filhos, Cláudio, mais conhecido por Cacau, Mariana - ambos também seguiram carreira teatral - e Fernando Henrique. Gianfrancesco Guarnieri gravava no “Teatro Oficina” a novela “Belíssima” da TV Globo, em que interpretava o personagem (Pepe), quando se sentiu mal e foi internado. Gianfrancesco Guarnieri morreu de insuficiência renal crônica.