Dolores Gonçalves Costa
(Santa Maria Madalena/RJ, 23 de junho de 1907)
(Rio de Janeiro/RJ, 19 de julho de 2008).
Dercy Gonçalves foi uma atriz, humorista e cantora brasileira, oriunda do teatro de revista, notória por suas participações na produção cinematográfica brasileira. Dercy Gonçalves foi reconhecida pelo “Guinness Book” como a atriz com maior tempo de carreira na história mundial, oitenta e seis anos. Celebrada por suas entrevistas irreverentes, bom humor e emprego constante de palavras de baixo calão, Dercy foi uma das maiores expoentes do teatro de improviso no Brasil. Originária de família muito pobre, filha de um alfaiate chamado Manuel Gonçalves Costa e de uma lavadeira chamada Margarida Gonçalves Costa. Sua mãe abandonou o lar e os sete filhos ao descobrir a infidelidade do marido. Dercy, abandonada pela mãe ainda pequena, foi criada pelo pai alcoólatra. A menina que foi crescendo, teve que conviver com um pai bêbado em casa e sofreu muito com o abandono da mãe, de quem nunca mais teve notícia. Dercy Gonçalves sofria preconceitos na infância, sendo constantemente chamada de "negrinha", por ser neta de negros. Para ajudar nas despesas de casa, Dercy foi trabalhar em uma bilheteira de cinema. Vendo os filmes nas horas de expediente do serviço, aprendeu a se maquiar e atuar como as artistas. Seu grande sonho era seguir carreira artística. Mesmo não sendo ainda atriz profissional, se apresentava em teatros improvisados para hóspedes dos hotéis em sua cidade natal. Aos dezessete anos, determinada em ver seu sonho virar realidade, fugiu de casa para Macaé embaixo do vagão de um trem, junto com uma trupe de teatro mambembe, arriscando sua própria vida pelo sonho de ser artista. Após um tempo morando em Macaé e trabalhando no teatro circense, o circo teve que partir para se fixar em outra cidade e fazer apresentações novas. Então, ela foi junto com a companhia de circo para Minas Gerais, onde estreou em Leopoldina, integrando o elenco da “Companhia Maria Castro”. Fazendo teatro itinerante, fez dupla com Eugênio Pascoal, com quem se apresentou por cidades do interior de alguns estados, sob o nome de "Os Pascoalinos". Dercy se apaixonou por Eugênio Pascoal, que foi seu primeiro namorado aos vinte e cinco anos. Dercy dissera uma vez em entrevista que, fora enganada por seu primeiro namorado, Pascoal, que a violentou sexualmente. Dercy conta que, na noite em que perdeu a virgindade, usava uma camisola feita de saco de arroz: "Tinha escrito no peito: Indústria Brasileira de Arroz Agulhinha, arroz de primeira", contou. Anos depois, a atriz disse que, inocente na época, não sabia o que estava acontecendo e não entendeu por que estava sangrando. Ela foi convencida a fazer sexo e não sabia que esse convencimento, mediante ameaça de término do namoro, se configura como estupro. Após alguns anos junto com ele, por causa de ciúmes violentos do namorado, eles se separaram. Dercy era uma típica moça do interior, ingênua e alegre, que mesmo fugida de casa e tendo se relacionado com o namorado, ainda brincava de bonecas de pano que tinha desde criança. Isso mostra seu espírito doce e infantil, sua sensibilidade que a possibilitou ser de fato uma artista. Enquanto excursionava com a trupe pelo interior de Minas Gerais, Dercy contraiu tuberculose, tendo que se afastar de sua maior paixão, o circo. Um exportador de café mineiro chamado Ademar Martins Senra a conheceu quando passava próximo a tenda do circo e se encantou por ela, apesar de ter ficado com pena da pobre moça doente. De bom coração, pagou todas as contas do sanatório para a internação da atriz, que não tinha dinheiro suficiente para custear o tratamento. Depois de curada, tendo largado o circo, teve um romance com Senra, mesmo ele sendo casado. Desse relacionamento de dois anos, nasceu sua única filha, Maria Dercimar Gonçalves Senra. O nome Dercimar é uma mistura do apelido de Dolores, Dercy, com o nome do pai dela, Ademar. Ademar descobriu que Dercy engravidou e, mesmo casado, decidiu assumir o filho fora do casamento e colocou Dercy em uma casa decente para viver e ficou a ajudando nas despesas. Quando o bebê nasceu, Ademar registrou a criança, e às vezes, ia visitar Dercy e a filha, porém não podiam morar juntos pelo fato dele ser casado e o romance deles ser secreto. Um dia, porém, não apareceu mais, o que fez Dercy sofrer muito, além de ter que criar a filha sozinha. Ela, então, voltou a trabalhar em teatro, se especializando na comédia e no improviso, participou do auge do teatro de revista brasileiro, estrelando algumas delas, como "Rei Momo na Guerra" de autoria de Freire Júnior e Assis Valente, na companhia do empresário Walter Pinto. Dercy Gonçalves iniciou, anos depois, a carreira solo. Suas apresentações, em diversos teatros brasileiros, conquistavam um público cheio de moralismos. Nesses espetáculos, gradativamente introduziu um monólogo, no qual relatava fatos autobiográficos. Paralelamente a estas apresentações atuou em diversos filmes do gênero chanchada e comédias nacionais. Na televisão chegou a ser a atriz mais bem paga da TV Excelsior, onde também conheceu o executivo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Depois passou para a TV Rio e já na TV Globo, convenceu Boni a trabalhar na emissora junto com Walter Clark. Dercy Gonçalves apresentou na TV Globo um programa de auditório de muito sucesso, “Dercy de Verdade” que acabou saindo do ar com a intensificação da censura no país após o AI-5. Quando a censura permitiu maior liberalismo na programação, Dercy passou a integrar corpos de jurados em programas populares, como os de Sílvio Santos e até aparições em novelas da TV Globo. No SBT voltou a experimentar um programa próprio que, entretanto, teve curtíssima duração. Sua carreira foi pautada no individualismo, tendo sofrido, já idosa, um desfalque nas economias por parte de um empresário inescrupuloso - o que a fez retomar a carreira, já octogenária. Dercy recebeu, o “Troféu Mambembe”, numa categoria criada especificamente para homenageá-la: “Melhor Personagem de Teatro”. A escola de Samba “Unidos do Viradouro” homenageou a atriz na primeira apresentação da escola no "Grupo Especial do Carnaval" do Rio de Janeiro com o enredo "Bravíssimo - Dercy Gonçalves, o Retrato de um Povo". Na ocasião, Dercy causou polêmica ao desfilar, no último carro, com os seios à mostra. Sua biografia se intitula “Dercy de Cabo a Rabo” escrita por Maria Adelaide Amaral. "Dercy de Verdade" é o título dado à minissérie sobre a vida da atriz, que também foi escrita por Maria Adelaide Amaral e teve direção de Jorge Fernando, foram as atrizes Heloisa Periseé e Fafy Siqueira que interpretaram Dercy Gonçalves. Dercy recebeu o título de cidadã honorária da cidade de São Paulo, concedido pela câmara de vereadores daquela capital. Dercy Gonçalves completou cem anos com uma festa na Praça Coronel Braz, no centro de sua cidade natal, Santa Maria Madalena, na região serrana do Rio de Janeiro. Embora oficialmente estivesse completando cem anos, Dercy afirmava que seu pai a registrou com dois anos de atraso, logo teria completado cento e dois anos de idade. Foi este também o mês em que Dercy subiu pela última vez num palco na comédia teatral "Pout-PourRir" - espetáculo criado e dirigido pela dupla Afra Gomes e Leandro Goulart - onde comemorou "Cem Anos de Humor", com direito à festa, autógrafos de seu DVD biográfico e um teatro hiper lotado por um público de fãs, celebridades e jornalistas. A noite, inesquecível para quem estava presente, onde Dercy foi entrevistada por uma personagem interpretada pelo ator Luís Lobianco ainda deixou para a história duas frases memoráveis. É perguntado à atriz se ela tem medo da morte, sempre de forma irreverente, ela responde: "Não tenho medo da morte, a morte é linda... (ela repensa) ...mas a vida também é muito boa!", e no fim, após cortar o bolo com as próprias mãos e atirar nos atores, diretores e plateia, faz o público se emocionar ainda mais, dizendo: "Eu vou sentir falta de vocês. Mas vocês também vão sentir a minha". Dercy Gonçalves morreu de complicações de uma pneumonia comunitária grave que evoluiu para uma septicemia pulmonar e insuficiência respiratória.