LYGIA FAGUNDES TELLES (98 anos)
Lygia de Azevedo Fagundes da Silva Telles
(São Paulo/SP, 19 de abril de 1923)
(São Paulo/SP, 03 de abril de 2022).
Lygia Fagundes Telles foi uma escritora, autora e roteirista com atuação em literatura, teatro, cinema e TV. Lygia de Azevedo Fagundes nasceu na rua Barão de Tatuí, do bairro de Santa Cecília, na cidade de São Paulo. Quarta filha de Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, conhecida como Zazita, uma pianista e Durval de Azevedo Fagundes, procurador e promotor público, que também trabalhou como advogado distrital, comissário de polícia e juiz. Em função do trabalho do pai, a família se mudou muitas vezes para várias cidades do estado, vivendo em Apiaí, Assis, Itatinga e Sertãozinho. Nesses municípios, recebia o cuidado de babás dotadas de um farto repertório de lendas. Foram aquelas mulheres que deram à menina um sem-fim de histórias povoadas por mulas-sem-cabeça e lobisomens, o que a influenciou a criar seus próprios contos nas últimas páginas de seus cadernos escolares, os quais contava nas rodas de conversa. Por causa da mentalidade preconceituosa da década de 20, em que as mulheres não tinham condições de ousar determinadas profissões, sua mãe, uma excelente pianista, não prosseguiu na carreira que começou na adolescência, fazendo apenas os deveres domésticos considerados femininos. Seu pai era um jogador contumaz e sempre a levava consigo a um cassino em Santos "para dar sorte", mas ele sempre perdia as apostas. Depois de aprender a ler em casa, Lygia se matriculou no Grupo do Arouche, onde ficou quatro anos. Lygia era uma criança atrasada - não tinha base - e sofria porque não conseguia acompanhar a turma. Aos oito anos, Lygia se mudou com a mãe para o Rio de Janeiro, onde permaneceram por cinco anos. Em 1936, seus pais se separaram, mas não se desquitaram e isso fez com que Lygia e a mãe retornassem a São Paulo para uma vida de "classe média empobrecida", enquanto o pai continuava com suas andanças pelo interior paulista, e a garota se matriculasse na “Escola Caetano de Campos”, na qual passou a se interessar por literatura, incentivada pelos seus maiores amigos, os escritores Carlos Drummond de Andrade, Edgard Cavalheiro e Érico Veríssimo, e acabou se formando. Aos 15 anos, financiada pelo pai, Lygia publicou seu primeiro livro, “Porão e Sobrado”, que foi bem recebido pela crítica. Lygia cursou o pré-jurídico e a Escola Superior de Educação Física” da “Universidade de São Paulo - USP”. Lygia começou a participar ativamente de debates literários, nos quais conheceu Mário e Oswald de Andrade, Paulo Emílio Salles Gomes, entre outros nomes da cena literária brasileira. Além disso, fez parte da “Academia de Letras da Faculdade” e escreveu para os jornais “Arcádia” e “A Balança”. Aos 18 anos, Lygia se matriculoue na “Faculdade de Direito do Largo de São Francisco”, sendo uma das seis mulheres em uma classe com mais de cem homens; lá, conheceu a poeta Hilda Hilst, que veio a ser a sua melhor amiga. A escritora afirmou, em entrevista, que sofreu deboche por ser mulher e por estar na faculdade e querer seguir a profissão de escritora, considerada masculina, dizendo que os rapazes perguntavam para ela e suas outras colegas de classe com irônico espanto se elas estavam lá para casar. Para ela, esse começo difícil era um desafio, pois estavam na moda as poetisas, mas escrever um livro com a liberdade de abordar todos os temas era outra coisa. A solução era assumir a luta. Ela decidiu que seria advogada por causa do pai, que também se formou na “São Francisco”. Para custear os estudos, Lygia começou a trabalhar na “Secretaria de Agricultura”. Seu segundo livro, Praia Viva”, saiu um ano antes de seu bacharelado. Três anos depois do término do curso de Direito, Lygia publicou, pela editora “Mérito”, seu terceiro livro de contos, “O Cacto Vermelho”, que recebeu o “Prêmio Afonso Arinos” da “Academia Brasileira de Letras”. Aos 24 anos, Lygia se casou com Gofredo Teles Júnior (filho de Gofredo da Silva Telles), seu professor de direito internacional privado, de quem adquiriu o sobrenome. Na ocasião, Gofredo era deputado federal, e em virtude desse fato, o casal se mudoue para o Rio de Janeiro, onde funcionava a “Câmara Federal”. Lygia exerceu a profissão na “Secretaria de Agricultura” durante algum tempo, mas a abandonou pelas letras, tornando-se colaboradora do jornal carioca “A Manhã”, para o qual escreveu uma coluna de crônicas semanal. Em 1954, nasceu o único filho do casal, Gofredo da Silva Telles Neto. Com seu retorno à capital paulista, Lygia começou a escrever seu primeiro romance, “Ciranda de Pedra” que a tornou conhecida nacionalmente. Na fazenda Santo Antônio, em Araras - São Paulo, de propriedade da avó de seu marido, para onde viajava constantemente, Lygia escreveu várias partes desse romance. Essa fazenda ficou famosa na década de 20, pois lá se reuniam os escritores e artistas que participaram do movimento modernista, tais como Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Heitor Villa-Lobos. O livro foi adaptado com sucesso pela Rede Globo para a televisão em duas ocasiões. Lygia Fagundes Telles publicou “Histórias do Desencontro”, com qual ganhou o “Prêmio Artur Azevedo” do “Instituto Nacional do Livro”. Como a mãe, Lygia se separou, mas não se divorciou de Goffredo e no ano seguinte, começou a trabalhar como advogada no “Instituto de Providência do Estado de São Paulo”. Lygia trabalhou nesse escritório e continuou suas publicações simultaneamente até 1991. Seu segundo romance foi “Verão no Aquário” que novamente foi bem recebido pela crítica e ganhou o “Prêmio Jabuti”, da “Câmara Brasileira do Livro”. Naquele mesmo ano, Lygia se casou com o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, a quem descreveu como "um homem encantador, inteligente, vibrante, irônico". Foi um escândalo: embora oficialmente continuasse casada (a lei brasileira não admitia o divórcio) com Goffredo, ela se juntou com Paulo Emílio, enfrentando a maledicência da sociedade da época. Viveram juntos até a morte do escritor, em 1977. Com ele, escreveu o roteiro para cinema “Capitu”, inspirado no romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Esse roteiro, que fora encomenda de Paulo César Saraceni, recebeu o “Prêmio Candango”, concedido ao melhor roteiro cinematográfico. Lygia começou a escrever o romance “As Meninas”, inspirado no momento político em que passava o país. Seus livros de contos “Histórias Escolhidas” e “O Jardim Selvagem” foram publicados respectivamente. Embora tivesse estreado na década de 1940, foi apenas da década de 1970 que Lygia alcançou a plena maturidade de seus meios de expressão e marca o início da sua consagração na carreira, tornando-se um nome fundamental na ficção brasileira contemporânea. Lygia publicou, então, alguns de seus livros mais importantes, os quais foram um êxito no exterior e traduzidos para várias línguas. “Antes do Baile Verde”, cujo conto que dá título ao livro, foi um sucesso internacional, conquistando, em Cannes, o “Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros”, em língua francesa, pelo qual concorreram 360 manuscritos de 21 países. Lygia ganhou vários e importantes prêmios brasileiros com o romance “As Meninas”, publicado em Nova Iorque com o título de “The Girl in the Photograph”. O romance recebeu o “Prêmio Jabuti” o “Prêmio Coelho Neto”, da “Academia Brasileira de Letras” e o "Prêmio de Ficção da Associação Paulista de Críticos de Arte”. Ele conta a história de três jovens no início da década de 1970, um momento difícil na história política do Brasil devido à repressão da ditadura militar. A escritora estava entre os intelectuais que foram para Brasília em 1977, para entregar o "Manifesto dos Intelectuais". O protesto foi a maior manifestação de intelectuais, desde 1968, contra o regime militar e censura da imprensa. Lygia iniciou o projeto de construção do “Museu de Literatura Brasileira”, iniciativa semelhante à de Plínio Doyle quando fundou a instituição “Arquivo-Museu de Literatura Brasileira”. Com a morte de Paulo Emílio Sales Gomes, Lygia assume a direção da “Cinemateca Brasileira” e doa a documentação recolhida, entre fotografias e manuscritos de pouca ou nenhuma divulgação, ao “Instituto de Estudos Brasileiros - IEB”. A Rede Globo levou ao ar um Caso Especial baseado no conto "O Jardim Selvagem". Sua próxima publicação, “A Disciplina do Amor”, foi bem recebida pela crítica e ganhou o “Prêmio Jabuti” e o “Troféu APCA” da “Associação Paulista de Críticos de Arte”. Em uma entrevista, Lygia afirmou que "A Disciplina do Amor” era seu melhor livro. Lygia lançou Mistérios, uma coletânea de dezenove contos fantásticos antigos e atuais, originada de uma edição na Alemanha, publicada sob o título “Contos Fantásticos”. Lygia Fagundes Telles foi eleita para a “Academia Paulista de Letras” a vaga deixada por Pedro Calmon. Lygia Fagundes Telles foi feita Comendadora da “Ordem do Infante D. Henrique” de Portugal. Questões relacionadas ao envelhecimento e à solidão estão presentes em seu trabalho seguinte, o romance “As Horas Nuas”, no qual o leitor segue o desnudamento da personagem (Rosa Ambrósio), com suas frustrações expostas nas memórias que ela dita num gravador. Goffredo Neto realizou o documentário “Narrarte”, sobre a vida e a obra da mãe. Em Lygia se aposenta como funcionária pública. A TV Globo apresentou, dentro da série “Retrato de Mulher”, a adaptação da própria escritora do seu conto "O Moço do Saxofone", que faz parte do livro “Antes do Baile Verde”, num episódio denominado "Era Uma Vez Valdete". Lygia participou da “Feira do Livro de Frankfurt”, na Alemanha e lançou, no ano seguinte, um novo livro de contos, “A Noite Escura e Mais Eu”, que ganhou vários prêmios. Em 1996, estreou o filme “As Meninas”, de Emiliano Ribeiro, baseado no romance homônimo da escritora. Lygia participou da série “O Escritor Por Ele Mesmo”, projeto do “Instituto Moreira Salles - IMS” que compreendia um depoimento ao vivo e a leitura de textos do autor, feita por ele próprio, gravados em CD anteriormente e distribuídos ao público no dia do depoimento. Para esse projeto, Lygia gravou a leitura de dois contos "A Estrutura da Bolha de Sabão" e "As Formigas". Lygia publicou o livro “Invenção e Memória”, também agraciado com alguns prêmios. Lygia recebeu o “Prêmio Camões”, o mais importante da literatura em língua portuguesa, pelo conjunto de suas obras. Com sua amiga Clarice Lispector, a obra de Lygia estabeleceu um interessante diálogo, pois ambas exploraram, de maneira inédita até então, o universo feminino sob uma perspectiva moderna, rompendo com o moralismo social que deixava a mulher sempre à margem da figura masculina. Traçou o de suas personagens através das técnicas do fluxo de consciência e do monólogo interior, alçando-as ao posto de protagonista de suas histórias. Além de abordar intensamente a temática feminina, Lygia abriu espaço em sua obra para temas como a vida nas grandes cidades, assim como os problemas sociais e outros temas polêmicos, como drogas, adultério e o amor. Em geral, suas personagens são seres inquietos e vulneráveis, instrumentos de reflexão psicológica, que se movimentam em aparente espontaneidade, como representação irônica da sociedade. Dentre os autores brasileiros, Lygia se diz influenciada por Machado de Assis especialmente por sua ambiguidade, texto enxuto, análise social e ironia fina. Lygia realizou a adaptação cinematográfica do romance “Dom Casmurro” com Paulo Emílio Sales Gomes, intitulado “Capitu”, com direção de Paulo César Saraceni. Lygia é conhecida por ser adepta da liberdade ampla e irrestrita. Lygia era socialista na juventude, e voltou a ser novamente na terceira idade, afirmando crer que o socialismo é a única saída. Durante eleição presidencial no Brasil em 1994, votou em Fernando Henrique, do que se arrependeu posteriormente. Lygia se tornou uma referência e um dos maiores nomes da literatura brasileira e seus escritos são um patrimônio da cultura e da língua Portuguesa. Mesmo com obras publicadas no século passado e com mais de 80 anos de atividade literária, ela é considerada uma escritora contemporânea, pois seu trabalho influenciou feministas, especialistas em literatura e ativistas dos direitos LGBT no Brasil. Lygia Fagundes Telles foi retratada no filme “Lygia, Uma Escritora Brasileira”, realizado pela equipe da TV Cultura, dirigido por Helio Goldsztejn com roteiro de Eneas Carlos Pereira. Para a TV são de Lygia Fagundes Telles o episódio “O Suicídio de Leocádia” da série “Teatro de Abílio Pereira de Almeida”, os episódios “A Ceia” e “Venha Ver o Pôr do Sol” da série “O Contador de Histórias”, o episódio “A Ceia” da série “Nossas Histórias”, o episódio “Venha Ver o Pôr do Sol” da série “Studium 4” na TV Tupi, os episódios “Venha Ver o Pôr do Sol”, “Lua Amarela” e “A Cama” da série “Teatro 2”, os episódios “A Medalha”, “Natal da Barca”, “A Caçada” da série “Contos da Meia Noite” e o episódio “A Medalha” da série “Elas Por Elas” na TV Cultura, o episódio “Jardim Selvagem” da série “Caso Especial”, o episódio “Riso na Cara - A Consulta” da série “Aplauso”, além das duas versões da novela “Ciranda de Pedra” e o episódio “Era Uma Vez Valdete” da série “Retrato de Mulher” na TV Globo. No cinema é de Lygia Fagundes Telles o texto dos filmes “Capitu” (também adaptação), “Já Não Se Faz Amor Como Antigamente”, “As Três Mortes de Solano”, “As Meninas” (também produção), os episódios “A Caçada”, “A Fuga” e “Venha Ver o Por do Sol” do filme “Contos de Lygia”, “Formigas”, “Cinco Contos” e “A Janela” e participou como ela mesmo do documentário “Lygia, Uma Escritora Brasileira”. Para o teatro, Lygia Fagundes Telles escreveu ou adaptou as peças “Beco”, “Saias e Bocas”, “As Meninas”, “A Confissão de Leontina”, “Pomba Enamorada”, “As Meninas”, “Pomba Enamorada ou Uma História De Amor”, “Antes do Baile Verde”, “Dolly”, “Alma Morna”, “Cenas Para Usar Luvas”, “Reconstrução”, “Lobo Solitário”, “Na Granja”, “Eu Nunca”, “Tigrela”, “As Horas Nuas no Sete ao Entardecer”, “Tigrela” e “A Noite Escura e Mais Eu”. Lygia Fagundes Telles morreu de causas naturais por senilidade.