Ângela Maria Fernandes Diniz
(Belo Horizonte/MG, 10 de novembro de 1944)
(Armação de Búzios/RJ, 30 de dezembro de 1976).
Ângela Diniz foi uma modelo e socialite brasileira assassinada em uma casa na “Praia dos Ossos”, em Armação dos Búzios, no estado do Rio de Janeiro, pelo seu companheiro, Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street. O julgamento de Doca Street foi amplamente divulgado pela mídia e teve como foco a moral sexual feminina. O assassino foi condenado a dois anos de prisão com sursis e solto imediatamente. A decisão judicial gerou um amplo movimento de protesto feminista, sob o lema "quem ama não mata", ocasionando um novo julgamento, quando Doca Street foi condenado a quinze anos de prisão. O evento é considerado um marco na história do feminismo no Brasil. Ângela Diniz era filha de Newton Viana Diniz e Maria do Espírito Santo Fernandes Diniz. Ângela se casou aos dezessete anos com o engenheiro Milton Villas Boas, na época com trinta e um anos e com ele teve três filhos, Milton, Luiz Felipe e Cristiana. O relacionamento durou apenas nove anos e, quando terminou, o casal fez um acordo judicial de desquite, já que o divórcio não era permitido à época. No acordo, Ângela recebeu uma pensão mensal e uma mansão em Belo Horizonte, porém, a guarda dos três filhos ficou com Milton. Em junho de 1973, José Avelino dos Santos (vulgo “Zé Pretinho”), então caseiro e vigia da casa de Ângela, foi assassinado à noite com um tiro no rosto. O corpo foi encontrado no lado de fora da casa, próximo à janela e tinha uma faca na mão e a braguilha aberta com sinais de ejaculação. Inicialmente, Ângela assumiu a culpa, alegando legítima defesa. Entretanto, as investigações demonstraram que havia uma terceira pessoa na casa, e se descobriu que Ângela era amante do milionário mineiro Arthur Vale Mendes, conhecido como “Tuca Mendes”, herdeiro do grupo “Mendes Júnior”. No depoimento, Ângela disse que teria assumido a culpa para proteger Tuca, pois ele era casado e o relacionamento dos dois ainda não era de conhecimento geral. Tuca alegou que havia visto um vulto do lado de fora da casa, foi verificar o que era e a pessoa o atacou, por isso ele reagiu, matando-o. As circunstâncias reais do crime jamais foram esclarecidas. À época, surgiram boatos que Ângela e José Avelino teriam um relacionamento, Tuca descobriu e o matou. Porém, pessoas próximas a Ângela negaram o caso, afirmando que ela seria racista demais para se relacionar com um negro. Outra hipótese é que Tuca teria encontrado José Avelino se masturbando escondido do lado de fora da casa, observando Ângela e o matou. Ao final, Tuca Mendes foi condenado a dois anos com sursis, isto é, com suspensão condicional da pena e liberado. Devido ao escândalo causado pelo crime, Ângela e Tuca se separaram e ela decidiu se afastar de Minas Gerais e se mudou para o Rio de Janeiro. Na capital carioca, conheceu o colunista social Ibrahim Sued, com quem teve um breve relacionamento e que a apelidou de "Pantera de Minas". No Natal de 1974, Ângela visitou seus filhos em Belo Horizonte e ao retornar ao Rio de Janeiro decidiu levar sua filha sem avisar a família do seu ex-marido. Milton Villas Boas deu queixa de sequestro. Mesmo Ângela retornando a menina a Belo Horizonte uma semana depois, Milton manteve o processo e Ângela foi condenada a seis meses de prisão pelo sequestro da sua filha. Em 1975, por meio de uma denúncia anônima, Ângela foi presa sob a acusação de esconder mais de cem gramas de maconha em sua residência. Para poder responder ao processo em liberdade, ela admitiu ser viciada em drogas. Ângela e Doca namoraram por quatro meses, mas a relação foi marcada por ciúmes e violência doméstica. Doca havia abandonado sua esposa e filhos para morar com Ângela, e em dezembro de 1976, ambos estavam veraneando na “Praia dos Ossos”, em Búzios, em busca de sossego das colunas sociais. Às vésperas do fim do ano, Ângela e Doca tiveram uma discussão e ele saiu de casa. Um tempo depois ele retornou, houve uma nova briga e Doca assassinou a namorada com três tiros no rosto e um na nuca com uma pistola Beretta. Após o homicídio, Doca fugiu e permaneceu semanas foragido. Chegou a dar entrevistas para a TV Globo e para revista Manchete, antes de se entregar a polícia. Doca Street foi julgado em Cabo Frio, sendo defendido pelo advogado Evandro Lins e Silva. A defesa foi baseada na tese de legítima defesa da honra, responsabilizando-se a vítima por ter provocado tal violência, em razão do próprio comportamento. Na acusação, a família de Ângela contratou o advogado Evaristo de Moraes Filho para atuar como assistente de acusação. Durante o julgamento, se examinou amplamente a vida de Ângela, questionando sua moralidade sexual, seu envolvimentos com outros crimes e sua dependência de drogas. O julgamento foi extensamente coberto pela mídia. O tribunal do júri condenou Doca Street a uma pena de dezoito meses e mais seis meses por ter fugido da justiça, com direito à sursis. Por já ter cumprido sete meses preso, ou seja, um terço da pena, Doca foi liberado e pode sair livre do tribunal. Doca Street foi submetido a um novo julgamento e condenado a quinze anos de prisão. O julgamento foi acompanhado pessoalmente por ativistas feministas, que organizaram uma vigília e exigiram sentença e prisão para o assassino, explodindo em aplausos quando a sentença foi anunciada. Enquanto que no primeiro julgamento havia predominado uma cobertura machista da mídia a partir da vida sexual da vítima, no segundo julgamento, a pressão do movimento feminista impôs um quadro de sentido baseado no próprio assassinato e na invalidade do argumento emocional para justificá-lo. A vida de Ângela chegou a ser cogitada como tema de um filme. Seria dirigido por Roberto Farias e teria Débora Secco como protagonista. O filme, porém, nunca foi realizado. O programa “Linha Direta”, da Rede Globo, fez a reconstituição do crime e do julgamento no episódio “Ângela e Doca”. Em 2006, Doca Street lançou o livro “Mea Culpa” onde trata o caso com profundidade e dá sua versão aos fatos. Outro livro que descreveu, em parte, a história foi “Mulher Livre” de Adelaide Carraro. Em setembro de 2020, a “Rádio Novelo” lançou o podcast “Praia dos Ossos”, onde reconstitui o crime e tenta entender "como uma mulher desarmada é morta por quatro tiros e vira a vilã da história?". Doca Street morreu em São Paulo, de parada cardíaca, aos oitenta e seis anos em dezembro de 2020.